Qualquer pessoa um pouco mais informada sabe que não se deve beber de copo alheio, ainda mais quando não se conhece o dono da boca que vai deixar sua saliva no copo. Isso é básico, no Brasil eu aprendi isso na aula de Educação Moral e Cívica no ensino fundamental.
Ok, vejo-me agora em Tanger, na sala de espera do dentista. Conto meia dúzia de pessoas com cara de tédio, eu, uma mesinha de centro e, sobre ela, em uma bandeja, uma jarra d’água com um copo de vidro ao lado. Levanta-se a gordinha em djellaba e serve-se de água. Não bebe tudo, deixa ainda um pouco no copo. Volta esse copo para o mesmo lugar. Dez minutos depois, um senhor repete o mesmo gesto... no mesmo bendito copo! Completa o resto que a gordinha havia deixado com mais água e manda ver! Calma aí, onde estou mesmo? Ok, em Tanger, tudo bem, é costume comer do mesmo prato e beber do mesmo copo em família. Mas, na sala de espera de um dentista? Não ensinaram para ele na faculdade - francesa, segundo seu cartão de visita - o que eu aprendi na quinta série? Claro que sim! Qual é o problema então? O que leva um profissional de saúde – bucal! - a oferecer aos seus pacientes em sua sala de espera um meio óbvio de transmissão de bactérias nem sempre com boas intenções?
Percebo então, o peso da cultura em uma sociedade. A tradição de beber no mesmo copo e comer do mesmo prato é mais forte do que as regras de higiene, mais importante do que fatos cientificamente comprovados. Dentro de uma casa, de uma família, é perdoável. Generosamente, dez pessoas enfiarem as colheres no mesmo prato pode-se entender, com muita boa vontade, como um ritual de confraternização, de comunhão. Até bonito, não é mesmo? Mas, peraí! Estou num consultório médico, não estou a fim de compartilhar da saliva de boca alheia! Não estou tão elevada, ou tão chapada, a ponto de ver aquele bigodudo com restos de cuscuz de sexta-feira no bigode - e sabe-se lá Deus que problema ele veio tratar no dentista – e pensar “Nossa, quero confraternizar com este ser humano!” Argh! Que saudades dos copinhos de plástico descartáveis!
Consultar ou não com este médico? Não tenho saída! É um fato cultural, em todas as salas de espera encontrarei a jarrinha d’água e o copinho inocentemente colocados na mesinha de centro. Poderia reclamar, mas lembrei-me que um dia alguém havia dito que: “Não há problema de beber do mesmo copo, Deus protege” e talvez este dentista vá me despejar a mesma frase. Só me resta folhear o Le Monde e esperar a minha vez.
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