sábado, 25 de outubro de 2008

Certo. Vamos tentar escrever alguma coisa legal sobre Tanger. O que eu gosto em Tanger ? Da porta da minha casa pra dentro, em primeiro lugar. Claro, porque se da porta pra dentro fosse como é da porta pra fora, eu enfiaria o pé nessa porta e sairia correndo so Deus sabe para onde. Provavelmente voltaria para o mesmo lugar e com um prejuizo pra cobrir. Isso significa ter que lidar com marceneiros, o que nao é o meu hobby mais divertido por aqui.

Mas vamos falar sério. A maior qualidade daqui acho que é o baixissimo indice de violência, comparado com o Rio de Janeiro. Nossa,de verdade, que paraiso que é sair de casa sem se preocupar com assaltos, balas perdidas, tiroteios, arrastao, seqüestro, agressao ! Armas sao proibidas aqui.

Logo que cheguei em Tanger, quando via alguma confusao na rua, jà queria me esconder, sair correndo, com aquele medo carioca instintivo de que alguém vai puxar uma arma. Depois fui me acostumando que o que acontece aqui é no màximo uma discussao –ah, isso eles adoram- mas sem maiores conseqüências. Talvez uma ameaça de dar um soco, um chute, mas so quando jà tem gente segurando pra impedir.

Muitas vezes as pessoas ficam em casa sem trancar a porta. Deixam o carro aberto enquanto vao comprar uma agua no armazém. Nao raramente, para mostrar que uma loja està fechada, ou que o vendedor foi tomar um café, colocam um pau de vassoura atravessado na porta. Ou um lençol cobrindo a mercadoria. E funciona. Ninguém mexe.

Uma vez, fomos em Tétouan, cidade vizinha de Tanger. Estacionamos para ir no souk. Quando voltamos, o guardador de carros estava com uma nota de 50 DH na mao, perguntando pra todo motorista que saia, se era ele quem tinha perdido a nota. Inevitavelmente lembrei-me de Sao Paulo, quando minha tia queria pagar o estacionamento depois de visitarmos um museu. Ela nao tinha trocado, deu uma nota de R$50,00 e o guardador ao invés de dar o troco, saiu correndo com o dinheiro. Situaçoes opostas.

Aqui o transporte é péssimo. Poucos ônibus, taxi stas que dirigem feito loucos, além de termos que ficar espremidos uns contra os outros, pois os tàxis podem levar vàrios passageiros. Metrô, nao tem. Tramway, ha !, nem em sonho. Mas pense bem : no Rio de Janeiro eu tinha transporte fàcil para todo e qualquer lugar que eu quisesse ir. E ràpido. Nada de ficar esperando meia hora, ou ter que agüentar taxistas com o carro vazio se recusando a pegar passageiros, como acontece muito aqui. O unico detalhe é que eu nao sabia se ia voltar viva. Se o ônibus seria assaltado, queimado, seqüestrado. Exagero ? Quando eu morava no Rio eu concordaria que estou exagerando. Estava habituada a viver na violência. Triste, mas é verdade. Quando nao podemos deixar de viver e fazer as coisas do dia-a-dia, tentamos nao pensar muito, nos adequamos, criamos nossas defesas. Eu nem me dava conta de que havia automatizado um sistema de defesa anti-violência dentro de mim. Explico : Quando andava na rua, agarrava a bolsa e ficava de olho em toda pessoa que se aproximasse mais do que eu consideràsse confortàvel. Entrando no ônibus, sentava sempre na ponta, no corredor . Porque se eu sentasse na janela poderia estar convidando um esperto a me encurralar entre ele e a parede do ônibus. Se estivesse de carro, parar no sinal vermelho, tinha que fechar os vidros automaticamente. Se for de noite, nem parar no sinal. Nao vamos pedir para sermos assaltados.

O que acontece é que isso tudo é um absurdo !!! Quando a gente sai deste cerco e vê as coisas de fora, é que a gente percebe o quanto é inconcebivel viver assim, de tocaia, na defesa, pronta pra fugir. Quando estamos fora disso, começamos a perder essa tensao, esse mecanismo automatico. Vamos percebendo o alivio que é sair de casa sem nem pensar em armas, em roubos, em violência. Andar na rua normalmente. Sem medo. Como se a rua fosse continuaçao do seu prédio, seu territorio.

Agora eu entendo quando minha familia do interior sentia receio de ir visitar-nos no Rio. Pra que arriscar ? Eu agora quando vou ao Brasil, fico apavorada com tudo ! Tenho medo de ter esquecido como fazer para nao chamar a atençao dos mal-intencionados. Porque aqui a gente nao precisa pensar em nada disso.

Nossa, falando assim, fiquei até com esperança de gostar daqui um dia !

Mas, na verdade, aproveitando pra explicar o que escrevo no blog, eu brinco. Quando escrevo meus posts, é como seu eu estivesse « pensando alto ». Tento fazer de forma que as coisas pareçam engraçadas, a intençao nao é « malhar » a cidade, nem os costumes. Eu tento ver de uma maneira irônica as diferenças culturais. Eu vivo aqui. Eu gosto da minha rotina. E acredito que o melhor lugar é aquele onde a gente està. Neste momento meu lugar é em Tanger. E estou tentando passar para as pessoas as primeiras impressoes de uma mentalidade ocidental quando se vê caida de pàra-quedas num mundo completamente diferente, onde existe uma logica toda particular, propria a eles. Nao adianta tentar racionalizar, entender, porque nossa linha de raciocinio nao é a mesma que a deles. Eu tento aceitar o que consigo aceitar e me acostumar ao que para mim é inaceitavel. Mas que nao vai mudar so porque eu sou contra.

Quando mais tempo eu passo em Tanger, menos eu entendo do mundo.

(rs ; P )

Um comentário:

Unknown disse...

Ola Leticia!! vc nao me conhece, mas quero agradecer as boas risadas q dei agora com suas historias de "Tanger"..... Na verdade te vi no orkut numa comunidade e fiquei curiosa em saber as "novidades" marroquinas, pois namoro um e è muito dificil viver nesse relacionamento.... O problema??? a familia dele hehehehe..
Se puder me escreva.. queria fazer perguntinhas antes de entrar de cabeça nessa. desde ja te agradeço.
abraços e força ai.
Dani