quinta-feira, 13 de novembro de 2008

O Natal esta chegando ! Adoro Natal ! Mas, para minha infelicidade, em Tanger ele nao existe. Tenho que fazer um esforço sobrehumano para tentar sentir uma leve fagulha do espirito natalino. Sem luzes na cidade, sem arvores de Natal, sem lojas decoradas - até porque nem existem muitas lojas de verdade. Eu monto meu pinheiro em casa, decoro, preparamos uma ceia e vamos à missa. Pelo menos isso tem. Alias, falando em missa, tenho que contar como foi a do ano passado.

Noite de Natal, meu marido nos deixou de carro na Catedral Espanhola. Em frente, um carro grande do exército, outro da policia. Claro, aqui o pais é muçulmano. Nao que va acontecer alguma coisa, mas…melhor prevenir. Vai que algum terrorista resolve explodir a igreja em pleno 24 de dezembro.

Entramos, ja havia bastante gente, sentamos ao fundo. Todos muito elegantes, em pleno inverno, estrangeiros de Tanger. A cerimônia começa, acompanhamos atentos, felizes, esforçando-nos para sentirmos um clima de festa, de alegria interior. Os africanos da Africa negra que moram em Tanger, e normalmente fazem o coral da missa, reunidos, cantando mais empolgados que de costume.

Estavamos perto da porta, ou melhor, um enorme portao de madeira maciça cuja dobradiça urrava por um pouco de oleo a cada pessoa que entrava. « Puta mierda, que puerta ! » reclamou a espanhola sentada um banco atras.

Num desses « nheeeeeeecs » entrou um individuo evidentemente marroquino. Ele tinha um fone de comunicaçao em um dos ouvidos e carregava um pacote embrulhado em papel aluminio. Ele entrou, em passos acelerados, colocou o pacote misterioso cuidadosamente no ultimo banco que estava vazio. Saiu da igreja rapidamente.

Todos que estavamos no fundo da igreja inevitavelmente olhavamos curiosos para o dito pacote e nos entreolhavamos estudando as reaçoes. A senhora que estava logo em frente "catucou" com o cotovelo o moço vizinho apontando para o ultimo banco, esse moço catucou por sua vez a moça ao lado, que olhava também para tràs num misto de curiosidade e medo. De repente os sussurros foram ficando cada vez mais evidentes, o pessoal começava a se mexer nervosamente, inquietos, coça a cabeça, olha pro padre, olha pro pacote, olha para as outras pessoas. A turma perto da gente começou a ficar nervosa e eu jà estava me tremendo toda vendo o nervosismo coletivo. Tudo passava pela cabeça, bomba, terrorismo, atentado. Falei para minha mae que estava do meu lado para mudarmos de lugar, ela puxou meu pai, que, prestando atençao nas musicas, nem notou o que acontecia. Fomos para o primeiro banco do canto direito da igreja, como se fosse mudar alguma coisa. Se a igreja explodisse, nao ia poupar o canto direito da igreja. Mas eu nao queria ficar do lado da “bomba” , de qualquer maneira.
O padre e todos la na frente continuavam compenetrados na cerimônia, sem nem suspeitar a tensao que tomava conta da turma do fundao. Tentei acalmar-me e ficamos até o final. Nada aconteceu.

Terminada a missa, saimos, fomos cumprimentar-nos no patio da igreja -sob o olhar atento da policia- e desejar boas festas. Ninguém comentou nada sobre nada, todos se preparavam para voltar para suas casas. “Muy linda la missa, no?” escutavamos comentarem.

Até que vejo descer a turma dos africanos, todos muito contentes. « Eles vao fazer uma ceia comunitaria » nos explicou o frei brasileiro. De repente, vejo o tal pacote suspeito sendo carregado com todo cuidado na mao de um deles. E o pacote vem vindo na nossa direçao. Até que, passando perto da gente, a moça que o carrega pàra, levanta cuidadosamente o papel aluminio e verifica o seu conteudo. Parece satisfeita. Respira fundo, como para sentir o cheiro. Dà um leve sorriso. Nao pude evitar a curiosidade e aproximei-me para tentar identificar do que se tratava. Quando estava bem perto, chegou um conhecido da moça e perguntou para ela : « Eles trouxeram as rabanadas ??? » « Sim, aqui estao !!! »

Rabanadas ! Fiquei tremendo metade da missa de Natal, sem conseguir prestar atençao em nada por causa de um prato de rabanadas !!! Jà estava achando que iam explodir a igreja, que sairia nos noticiarios internacionais do dia seguinte.

Isso é passar Natal em Tanger…

Um comentário:

*D* disse...

Caramba... natal inusitado esse!!!

Afinal, é sempre bom um pouco de adrenalina!