Dez e quinze da manhã. Um pouco atrasada, mas nada grave considerando o senso de pontualidade marroquino. Balançou o pulso afastando as pulseiras de ouro, esticou o dedo e tocou a campainha.
Barulho de passos, silêncio. Alguém atrás da porta certamente ficava na ponta dos pés para acertar o buraco do olho mágico, colocado numa altura mal planejada.
Um senhor de aparência agradável abriu a porta e em seguida um sorriso.
“Bonjour madame, tfâddal” disse com uma voz macia, incomum aos homens árabes, fazendo sinal para entrar.
“Merci", disse Malika, entrando . « Vous êtes...?”
“ Amin, et vous, madame, chnou smik?” Perguntou seu nome na comum mistura tangerina de árabe com outras linguas, no caso, o francês.
« Madame Malika. Marquei com o Claude às dez horas, espero não ter atrasado muito...”
“Oh, non, pas du tout, ma keine hta mouchkil.” Sem problema. « Installez- vous ».
O lugar tinha ar de certo refinamento, diferente dos outros salões. Uma cristaleira anunciava o pequeno hall atapetado, exibindo pratarias e antiguidades, algumas facilmente identificáveis pela sua origem bérbere. Um quadro de Renoir distraía o cliente em frente à mesinha onde se efetuava o pagamento ao final do serviço.
Avançando o olhar para a sala, algumas cadeiras de ferro espalhavam-se no ambiente. Um sofá de zebra de forma sinuosa estava disposto ao meio da sala redonda. Pilhas de revistas francesas espalhadas em cestos se mostravam de fácil acesso às mãos das clientes. Espelho nas paredes, secadores, odor de laquê e chá de menta.
“Claude já vem, madame. Aceita um chá?”
“Sim, por favor.”
Malika dirigiu-se ao sofá de zebra e sentou-se bem ao meio. Abriu o broche que arrematava o foulard no pescoço, retirando-o e colocando-o em volta dos ombros. Seu cabelo era castanho, grosso, de um leve cacheado. As raízes grisalhas denunciavam que já havia passado dos cinqüenta anos, embora não parecesse, contrariamente a muitas mulheres de trinta que passariam facilmente por sexagenárias. Malika envaidecia-se muito disso e não economizava comentários que evidenciassem o fato. Tirava muito prazer do polido e provocado espanto que as pessoas demonstravam ao ouvirem-na dizer que acabava de ter sido confundida com a irmã do próprio filho.
Uma voz soava no ambiente. Sabia-se pelo ritmo que a voz falava em francês antes de poder-se identificar o que dizia. O som ficou mais claro e seu dono apontou na sala, vindo de uma porta aos fundos da segunda sala.
“A Fati sabe muito bem que não deve colocar mais de cinco torrões de açúcar ao preparar o chá! Porque ela insiste em pesar a mão? C’est n’est pás possible, isso não é um chá, é um xarope!!!” Dizia o senhor com afetada voz e gestos exagerados. Era Claude. Dono do salão, cabeleireiro muito conhecido e antigo na cidade. Era magros, alto, com cabelos totalmente brancos penteados para trás, cimentados com gel. Camisa florida, solta, por cima de uma calça de linho cru com ar bastante confortável.
Atrás dele voltava Amin, com uma bandeja prateada que trazia o chá para madame Malika.
“Pardon, madame, acho que o chá está muito doce. Se não lhe agradar, posso pedir a Fati para fazer outro.”
“Chá de menta tem que ser bem doce. Foi assim que minha mãe me ensinou.” Disse Malika, sorridente, porém com a voz forte e a autoridade que lhe eram próprias.
Claude aproximou-se para apresentar-se:
“Alors, Madame, sou Claude! Seja muito bem-vinda a este humilde salão. Não me lembro de tê-la visto aqui alguma vez...” disse com ar interrogativo. Malika preferiu omitir nesse primeiro contato que nunca havia se interessado pelo salão de Claude pois freqüentava o salão do belga Patrick e que continuaria a freqüentá-lo se sua nora não o houvesse descoberto e passado a retocar suas mechas loiro-dourado com ele. Não suportava sua nora. Ela vinha de Casablanca e possuía idéias muito modernas que poderiam constituir uma ma influencia para seu primogênito Abdellah. Ela sempre o tivera em suas mãos e esse domínio estava começando a encontrar resistência. Ele estaria dando mais ouvidos à mulher do que a ela e isso era um grande problema que deveria resolver. Porém, outra hora. Agora deveria fazer-se bela, ocupar-se de si mesma e tentar esquecer os sentimentos estranhos que a atormentavam.