sábado, 26 de junho de 2010

« Quero retocar as raízes e cortar um pouquinho aqui na nuca.”


Claude preparava seu equipamento. Amin estava rodando por perto, arrumando um vaso fora de lugar aqui, ajeitando outro ali. Malika o observava pelo espelho. Não podia deixar de imaginar que ele teria um caso com Claude. Isso era muito tolerado entre os ocidentais e havia muitos estrangeiros que vinham a Tanger para satisfazer desejos dessa ordem, corrompendo os homens e até mesmo mulheres mais vulneráveis, seja por serem estes já dotados de uma predisposição natural, seja por necessidade financeira. Malika se enojava de seus pensamentos, pois não conseguia deixar de imaginar o que fariam os dois quando se encontravam a sós. Quanto mais imaginava, mais se enojava e mais longe ia sua imaginação. Deveria de imediato distrair-se com outro assunto. Olhou desesperadamente ao redor, tentando encontrar algo que prendesse sua atenção. Como se os céus houvessem entendido seu desespero, a campanhia tocou.

Entrou uma senhora magra, alta, portando divinamente um legítimo tailleur Chanel numa cor que não se definia entre um verde azulado e um azul esverdeado. Seus cabelos eram de um branco intenso, lisos, na altura dos ombros, penteados cuidadosamente para dentro e, se ela não estivesse entrando num salão, dir-se-ia que ela havia acabado de sair de um. Era inglesa, sussurrou Claude, afastando-se para cumprimentá-la.

Uma vez cumpridas as devidas e efusivas formalidades, Claude voltou para a tintura dos cabelos de Malika. Entre uma pincelada e outra, o francês despejava em voz baixa todas as informações que havia coletado, nestes muitos anos na cidade, sobre a vida da inglesa. Por mais que seu tom de voz prometesse que estaria fazendo grandes revelações, Malika não estava interessada em saber que seu nome era Heather e que era a viúva milionária de um político inglês. Havia casado novamente,com um marroquino de origem francesa, e veio continuar a vida em Tanger, morando numa enorme mansão nas montanhas de Cap Spartel. Seria provavelmente vizinha do palacete de algum príncipe da Arábia Saudita, do qual se diria promover festas luxuosíssimas no verão, com muitas mulheres-e homens-como parte de um farto banquete.

Toda essa história que Claude sussurrava a um ritmo próximo da monotonia, embalava Malika cada vez mais fundo em seus próprios pensamentos. Lembrou-se do irmão caçula que estava em Londres e que havia quase um ano não se ouvia noticia. Chamava-se Youssef e havia deixado o Marrocos, não por opção, mas por haver sido dono de um bar na corniche no qual um assassinato havia sido cometido cerca de dez anos atrás. A versão familiar dizia que ele havia ficado desesperado com o incidente e ajudado a sumir com o corpo, transportando-o em seu carro até algum penhasco e despejando-o no Oceano Atlântico. Porém, o corpo fora achado e ele achou mais seguro sumir de vista.

Sentindo a respiração apertar, Malika resolveu fechar os olhos. Vasculhou em sua cabeça um pensamento agradável e o melhor que encontrara foi a decisão de reservar o final de semana para fugir. Iria para Málaga. Precisava mudar de ambiente. Precisava esquecer o cotidiano que vinha levando mecanicamente. Realmente, trabalhava demais e estava se sentindo cansada. Precisava de paz, de diversão, de uma companhia agradável que não encontraria em casa. Precisava de Farid.

Iria sumir por uns dias. Não diria para onde nem telefonaria. Nada com que sua família já não estivesse acostumada. Sorriu, pela primeira vez relaxando e aproveitando os cuidados que Claude lhe proporcionava. Olhou para Amin, com certa condescendência, resolvendo deixá-lo em paz em seus pensamentos.

De uma maneira ou de outra, todos buscavam a felicidade.

Todos tinham seus segredos.

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