sábado, 3 de julho de 2010

« POU ». Estouro de um tiro. Susto profundo.

Examino instintivamente o ambiente desconhecido:

Uma sala vazia. Duas armas. Uma mulher indiferente recostada em uma cadeira no canto da sala.

Analiso melhor, vejo que uma arma está apontada em direção à outra. Qual será que atirou? A da direita? A da esquerda? As duas ao mesmo tempo num perfeito uníssono? O que teria acontecido com as balas ao se chocarem em cheio no ar? Será que realmente se chocariam, será que a posição delas estava realmente milimetricamente calculada, ou era apenas uma sugestão? Não importa, não era um tiro. Era apenas um artifício sonoro de uma artista alemã, ou muito perturbada, ou muito genial - chamada Rebecca Horn.

No segundo seguinte à descoberta do falso tiro, senti raiva. Brincadeira estúpida. Em pleno Rio de Janeiro, adentrar um ambiente desconhecido e ser surpreendido pelo familiar estampido é no mínimo de muito mau-gosto. Talvez em Tanger tivessem achado engraçado. Talvez o visitante tangerino demorasse mais de dois minutos para associar o barulho ao objeto, já que lá, arma é coisa de filme e a idéia de ação policial deve corresponder no máximo a Matt Damon se jogando da moto em frente ao Café de Paris para fugir em direção à antiga Medina numa cena de “Ultimato Bourne”, que parou a cidade inteira para ser gravada. E as jovenzinhas que passavam e olhavam um baixinho correndo freneticamente nem sabiam que era Matt Damon. E pouca diferença lhes faria se soubessem.

Na verdade,o tangerino não corre o risco desse susto porque, na atual Tanger, nem se fala mais em arte como nos velhos tempos de território internacional. Kandinsky, Paul Bowles e intelectuais ou artistas da geração beat ficaram no passado e não deixaram rastro. O cidadão de hoje não visita espaços culturais, que já são quase inexistentes. Instalação para eles é tarefa de encanador diante de uma máquina de lavar "Samsong" comprada sem garantia na Casabarata.

Voltando ao presente, na sala da pegadinha sem graça em pleno CCBB no centro do Rio de Janeiro. Depois da raiva, me recompus. Evitei encarar a funcionária sentada na cadeira. Minha primeira idéia foi pensar que ela estaria rindo de mim, “mais um idiota que caiu”. Meu segundo pensamento foi de curiosidade e de empatia, quase pena. Aquela moça deveria estar sentada ali há tanto tempo e talvez já fizesse isso há tantos dias, que o tiro deveria entrar por um ouvido e sair pelo outro. Ela ignorava totalmente minha presença. Eu não era mais um idiota, eu era apenas mais um.

Será que essa moça fica todo dia mesma sala? Seria tortura. Não, eles devem fazer um rodízio... Um dia na sala do tiro, outro na sala dos vídeos de performances estranhas, outro olhando pro piano de boca aberta pendurado no teto, outro na barriga da baleia...Qual seria a sala preferida dessa moça? Qual seria o sentimento dela em reação ao conteúdo destas salas? Além do bocejo a cada dez minutos, ela deveria ter tido tempo de formular, nem que por brincadeira para passar o tempo, alguma opinião sobre esses objetos incomuns que brotavam das paredes, do teto, do chão, que faziam uns ruídos estranhos, sorrateiros, traiçoeiros... e que deveriam ser considerados inquestionavelmente geniais.

O pior disso tudo é que estou com a missão de escrever uma análise critica sobre a exposição, como trabalho de um curso. Não sei o que dizer. Não sei nem avaliar se gostei ou não da experiência. Acho que gostei. Sei lá. Terei que espremer muito meu cérebro para escrever frases com sentido sobre o que vi. Buscar fundo na imaginação para elaborar algo como “sua obra nos toca com a constatação da incompletude do corpo humano, sua imperfeição, suas possibilidades e limites. Sua ausência, sua presença, seus mecanismos, blà, blà ,blà e ainda assim ser lido com risadas por um professor ultra intelectual, que logo notará meu falido esforço revelando o quão pouco eu entendo de arte, apesar de ser minha paixão. Invejo com todas as minhas forças quem discorre com fluência sobre qualquer aspecto da arte.

Se eu tivesse um dia livre na semana, trocaria com aquela moça. Ficaria sentadinha ali, na minha cadeira, no cantinho, buscando reflexões que tivessem ao menos um segundo de sinceridade. Até menos. Os milésimos de segundos daquele estampido em compreensão já seriam um grande passo em direção ao meu entendimento sobre a arte contemporânea.



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